Pois a poesia é a minha explicação com o universo, a minha convivência com as coisas, a minha participação no real, o meu encontro com as vozes e as imagens. O animador poderá pedir para confrontar este texto com o do “cartaz publicitário” – opondo a ideia de uma arte que é só de uns e para alguns, com a ideia de uma arte que é de todos, contribuindo para a compreensão do nosso mundo e da própria natureza humana.
[Sophia de Mello B. Andersen, Geografia, Áctica]
Um mestre de sabedoria japonesa, conhecido pela sua sábia doutrina, recebeu a visita de um professor universitário, que ia para o interrogar sobre o seu pensamento. O sábio serviu o chá. Encheu a chávena do seu hóspede e depois continuou a derramar o líquido, com uma expressão serena e sorridente. O professor ficou a olhar para o chá a ser derramado, tão admirado que não tinha coragem de pedir uma explicação para tal distracção, tão contrária às normas das boas maneiras. Mas, a um certo momento não pôde conter-se e disse: – Está cheia! A chávena já não leva mais! O sábio, imperturbável, disse então: – Com esta chávena, também tu estás cheio da tua cultura, das tuas opiniões e conjecturas eruditas e complicadas. Como poderei então eu falar-te da minha doutrina, que apenas as pessoas simples e abertas compreendem, se antes não esvazias a tua chávena?
[Fábula japonesa]
Que espaço e que valor dou à cultura dos Outros?
Apesar do desapontamento, apesar das perplexidades, apesar das obras que já não sabemos nem podemos dizer belas; é talvez ainda num poema, numa imagem, numa arquitectura de sons, ou formas, que depositamos secretamente a esperança de uma redenção ou de uma recompensa. Como se a eles continuasse a caber desenvolver-nos o sentido e o sentir. Como se à arte continuasse a caber a superação de todos os desencantos, todos os fins incluindo o seu. Como se após a perda do seu próprio valor cultural, da sua aura da sua origem (a sua morte), se tivesse tornado mais do que nunca imperioso a sua existência. Foi assim ao que parece que a modernidade a reinventou, lhe destinou simultaneamente uma morte e um nascimento, tornado-a intrinsecamente moderna, sob os auspícios da Estética.
[Maria Teresa Cruz ]
Numa época marcada pela reprodutibilidade técnica e artística, em que a própria obra de arte perde autenticidade (a “aura da sua origem”), para se tornar mais próxima do espectador, poderemos falar da morte e do nascimento de uma nova arte? Que nova arte é essa? O que queremos que seja a arte? Para onde vai a arte?!
Não creio que as bandas desenhadas sejam apenas um entretenimento.
É um raro privilégio ser capaz de falar a milhões de pessoas num só dia e estou sempre ansioso por dizer qualquer coisa com sentido quando posso. Para atrair e manter um público, a arte deve ser atraente, mas o significado de qualquer forma de arte reside na sua capacidade de exprimir verdades – para nos revelar e ajudar a compreender o mundo em que vivemos. As BD’s, à sua maneira humilde, são capazes de fazer isto.
As melhores histórias aos quadradinhos põem a nu a natureza humana e ajudam-nos a rir da nossa estupidez e hipocrisia. Representam os acontecimentos vulgares, quotidianos, das nossas vidas e ajudam-nos a dar importância a momentos insignificantes. Por vezes mostram o mundo do ponto de vista das crianças e dos animais, encorajando-nos a sermos inocentes durante um segundo. Ou seja, as melhores bandas desenhadas são “salas de espelhos” divertidas, que distorcem as aparências só para nos ajudarem a reconhecer as nossas características fundamentais e a rir-nos delas.
[Bill Watterson, Parabéns Calvin e Hobbes Gradiva]
Como se nota a presença da arte? De que forma é que a arte está presente nas nossas vidas? As bandas desenhadas de Calvin e Hobbes são um exemplo vivo de como a arte pode ser acessível e tornar-se atraente para qualquer um de nós, ajudando-nos mesmo a “compreender o mundo em que vivemos”. E o que deve exprimir a arte para que isso aconteça? Poderemos falar da expressão de “verdades”? … Então, para que serve a arte?
ÀS VEZES SOU PESSIMISTA E PENSO: a cultura eleva-nos à categoria de gansos engordados com cultura – a cultura serve para se ter um ar inteligente quando se aparece na televisão – a cultura é um exercício de egoístas ciumentos uns dos outros – a cultura não é mais do que uma história de gente de turismo para nos levar a comprar postais – a cultura de uns serve para abafar a cultura dos outros – a cultura culpabiliza (num museu faz-se silêncio, num bar não) – a cultura é a bolha que acompanha o barulho das botas – a cultura tem que nos fazer crer que o artista é um ser superior – a cultura é um bónus da sociedade de consumo – a cultura é para impressionar os pobres – a cultura é o pretexto para invadir os outros povos (para lhes levar a cultura) – a cultura permite aos que sabem envergonhar os que não sabem.
[Anúncio publicitário]
A Arte está relacionada com a “cultura do espírito do próprio Homem”. Mas de que tipo de cultura falamos? De uma cultura que apenas diz respeito a um grupo restrito da sociedade (a chamada cultura de elites)?! Ou, pelo contrário, estamos perante uma cultura de massas, que também passa pelos cartazes publicitários?! E será legítimo falar de uma cultura culpabilizadora, opressora de quem não tem cultura…?! Ou estaremos apenas perante uma visão muito pessimista e distante da realidade?!
Cada obra de arte é uma experiência de vida que eu quero transmitir, aliada ao facto de que a leitura da obra de arte é a nossa experiência de a viver. E é isso que eu penso. Repito o que já disse: que a obra de arte não existe para nós se a não recriarmos também. A minha leitura de Othello não é semelhante à de qualquer outra pessoa. Ninguém se comove com as mesmas paisagens.
Recriamos a obra de arte quando a vemos, a ouvimos, a lemos, porque penetramos nela e as pequenas palavras, as pequenas imagens libertam-se subitamente dentro de nós.
[J. Bronowski, Arte e conhecimento, Edições 70]
A arte surge, então, como uma linguagem, cuja definição se aclara, afastando os equívocos em que se arriscaria a transviar-se. […] O objectivo da arte é o de nos dizer o que nunca foi dito, de dar a este indizível a forma plástica por ela preconcebida como impossível.
[R. Huyghe, A arte e a alma, Bertrand Editora]< issínia, o chá que infunde na minha chávena foi colhido no longínquo Yunnan, o meu sumo de frutas, foi extraído de toranjas da Florida ou de Israel.
As minhas camisas de algodão indiano foram manufacturadas na Formosa ou em Macau.
Assoou-me em fio do Egipto ou em papel Kleenex vindo das florestas canadianas.
Ouço as minhas notícias no meu transístor japonês, escrevo o esboço deste livro europeu, com o ouro siberiano ou sul – africano do aparo de uma caneta, dactilografo-o na minha Canon japonesa enquanto não chega o meu Macintosh americano.
A cada uma das minhas refeições, ao mesmo tempo que reservo o meu copo à França, convido a América Latina, a Ásia e a África para o meu prato. O tecido das nossas vidas contém desde já uma grande parte de textura planetária.”
[Edgar Morin]
“Uma pedra à beira do caminho, precisa do mundo inteiro para existir.
[Ortega y Gasset]
Que exemplos de culturas diferentes observo na escola e na cidade? Como interferem elas nos meus hábitos quotidianos?
“Isto é arte? Porquê?”Quantas vezes ouvimos tal pergunta – ou acaso nós próprios a fizemos – perante certas obras estranhas e perturbante que se nos deparam em museus e exposições! Interrogação onde se manifesta um certo travo de exaspero porque dá a subentender que nós, realmente, não pensamos estar a ver uma obra de arte, embora os entendidos – críticos, conservadores de museus, historiadores – a tenham nessa conta. Se assim não fosse, porque iriam expô-la em público? É evidente que, se os seus critérios são muito diferentes dos nossos e se ficarmos assaz perplexos para as entendermos, bem desejaríamos que estes senhores nos dessem algumas regras simples e bem claras para nos guiarmos. Então talvez aprendêssemos a gostar do que víamos e saberíamos porque era “arte”. Porém, os especialistas não formulam normas precisas e o leigo tende a refugiar-se no seu reduto: “Bem! Lá de arte não percebo nada… mas sei do que gosto!”
[H.W. Janson, História da Arte, Ed. Fundação Calouste Gulbenkian]
A arte é para todos? Todos têm acesso a ela? Será que podemos viver sem ela? Que papel tem no nosso quotidiano? Que formas de arte podemos encontrar? Será que têm todas o mesmo valor? Tenta encontrar uma definição para o que é a arte?
Muitos homens inteligentes tem tentado responder à questão o que é a arte?, mas nunca satisfazendo toda a gente. A arte é daquelas coisas que, como o ar ou o solo, está em todo o lado à nossa volta, mas acerca da qual raramente nos detemos a pensar. Porque a arte não é apenas algo que se encontra nos museus e galerias de arte, ou em velhas cidades como Florença e Roma. A arte como quer que a definamos, está presente em tudo o que fazemos para agradar aos nossos sentidos. Mas não existe nenhuma obra de arte genuína que não apele para os nossos sentidos, e quando perguntamos o que é a arte, estamos na realidade a perguntar qual é a qualidade ou peculiaridade numa obra de arte que atrai os nossos sentidos.
[Herbert Real, A educação pela arte, Edições 70]
Hoje em dia, é cada vez mais frequente o aparecimento de formas artísticas numa tendência “minimalista”, numa atitude mais conceptual, pouco conotada por estilos… onde estarão os limites da arte? Será que tudo o que nos é proposto é válido? Que reacções temos à novidade, à inovação, à criação alternativa?
O quinto planeta era muito curioso. Era o mais pequeno de todos. Havia apenas espaço para colocar um candeeiro e um acendedor de candeeiros. O principezinho não conseguia explicar para que poderiam servir, algures no céu, num planeta sem casas nem população, um candeeiro e um acendedor de candeeiros. Todavia disse para consigo: – Este homem, é capaz de ser absurdo. É menos absurdo, porém, do que o rei. É menos absurdo até do que o vaidoso, o homem de negócios e o bêbado. Ao menos, o trabalho dele tem um sentido.
Quando acende o candeeiro, é como se fizesse nascer mais uma estrela ou uma flor. Quando apaga o candeeiro, faz adormecer a flor ou a estrela. É uma ocupação muito bonita. É útil porque é bonito.
[Saint Exupery, O Principezinho]
Compreendendo que a arte não é apenas e só beleza, ela existe para se colocar ao serviço de todos. Que ligação existe entre o valor funcional e o valor do belo. Será que um “objecto” que não é utíl pode ser belo?
Depois de um voo de pouco mais de três horas, um viajante francês vindo de Paris desembarca em Istambul (outrora Constantinopla), uma cidade muito grande. Ele está na Turquia e na Europa. Em Istambul atravessa um estreito braço de mar, passando por uma ponte de algumas centenas de metros, e continua dentro da Turquia, mas já fora da Europa, porque agora está na Ásia. Passou a pé, em alguns minutos, da Turquia Europeia para a Turquia Asiática.
De Istambul, o nosso viajante segue para a Rússia. (…) Em Istambul, o nosso viajante ouviu falar turco; bebeu um café num copo ou numa pequena caçarola com resíduos de café no fundo; comeu espetadas de carne, sobretudo de carneiro; viu edifícios religiosos com cúpula e torres esguias – os miranetes -, de onde, a certas horas, um homem chama à oração segundo as regras da religião muçulmana; e tirou os sapatos para visitar a mesquita. Percorreu maravilhado os imensos mercados feitos de pequenas lojas, onde admirou especialmente os tapetes, as jóias, os objectos de ouro e respirou o odor embriagante das ervas, das especiarias e dos perfumes de cores resplandecentes.
Na Rússia, o nosso viajante ouviu falar russo; deram-lhe a beber uma bebida alcoólica muito forte, a vodca, e, várias vezes durante a viagem, chá feito numa grande chaleira mecânica, o samovar; comeu, em vez de pão, bolos folhados frescos de farinha, os blinis; entrou em igrejas onde decorriam longas cerimónias numa liturgia com bonitos cânticos e padres vestidos de ornamentos cintilantes. Faziam lembrar cerimónias religiosas católicas (e, antes de entrar, se por um lado conservara os sapatos, por outro lado tinha tirado o chapéu), (…)
[Jacques le Goff, A Europa contada aos jovens]
Daqui provêm algumas notas características da cultura actual: as chamadas ciências exactas desenvolvem grandemente o sentido crítico; as recentes investigações psicológicas explicam profundamente a actividade humana; as disciplinas históricas contribuem muito para considerar as coisas sob o seu aspecto mutável e evolutivo; as maneiras de viver e os costumes tornam-se cada vez mais uniformes; a industrialização, a urbanização e outras causas que favorecem a vida comunitária, criam novas formas de cultura de que resultam novas maneiras de sentir e de agir e de utilizar o tempo livre; o aumento de intercâmbio entre os vários povos e grupos sociais revela mais amplamente a todos e a cada um dos tesouros das várias formas de cultura, preparando-se deste modo, progressivamente, um tipo mais universal de cultura humana, a qual tanto mais favorecerá e expressará a unidade do género humano, quanto melhor souber respeitar as peculiaridades das diversas culturas
[Gaudium et Spes, 54]
Neste mundo cada vez mais ligado, as novas tecnologias de comunicação bombardeiam-nos com informação sem que tenhamos possibilidade de reflectir sobre ele. Por isso o diálogo intercultural, mais do que um desafio para a Europa é uma obrigação. A interdependência mundial, quer em termos económicos, políticos, sociais e ambientais, é uma realidade que tem de ser assumida pela Europa. Uma Europa fechada sobre si mesma não é mais do que uma avestruz com a cabeça na areia. O diálogo intercultural é a única via para assumir a interdependência mundial, para que cada país possa ocupar o seu lugar de maneira digna e justa.
Da mesma forma que um pudim sem ovos deixa de ser pudim, o diálogo intercultural só é diálogo, quando é baseado no respeito pela diferença. Cada cultura tem os seus valores e tradições. Não se trata de uma competição em que cada um tenta impor a sua verdade, e onde a lei do mais forte escolhe o vencedor. A hegemonia da Europa foi possível devido à sua superioridade militar, mas o diálogo intercultural entre a Europa e outros povos, só é possível se houver uma relação de igualdade e respeito mútuo.
Diálogo implica muito mais do que respeitar o outro. Implica também o desejo de comunicar e aprender do outro: aprender não só por simples curiosidade mas para enriquecer e crescer.
Por isso, o diálogo implica mudança – inovação, abertura ao desconhecido.
Vejamos um exemplo de como todos podemos aprender no diálogo intercultural. O individualismo é um conceito ocidental que está na base da preocupação dos governos do Norte com os abusos dos direitos humanos, sobretudo nos países cujos regimes políticos não são democráticos. Por outro lado, o bem da comunidade e da família, é um valor muito enraizado nas culturas Orientais e Africanas, que serve de lição para a Europa, onde a desintegração da família, caso do envio de parentes para asilos de velhos, acontece com frequência. Este exemplo demonstra que um encontro de culturas, em que cada uma tem “lições” para dar e receber, é uma oportunidade de crescimento e mudança para todos.
Será ingénuo pensar que o diálogo intercultural esteja imune em relação aos interesses económicos e do poder… Analisemos mais de perto a preocupação com o abuso dos direitos humanos. Muitos governos Europeus, junto com o dos Estados Unidos, estão a usar o respeito pelos direitos humanos tendo em consideração as suas relações económicas e comerciais com países do Sul. É interessante ter em conta que os países ocidentais gastam muito dinheiro no compromisso com os direitos humanos, como por exemplo na segurança social, férias pagas, licença de maternidade, etc. Os países asiáticos que se encontram numa fase de crescimento económico galopante, não têm esse tipo de gastos porque ainda não desenvolveram mecanismos para salvaguardar os direitos do homem e do trabalhador. Estes países são uma “ameaça económica” ao Ocidente, que pode ver nos direitos humanos uma maneira de abrandar o crescimento dos seus “rivais económicos”.
É evidente que apesar dos interesses que possam estar por detrás, a promoção dos direitos humanos não deixa de ser um valor essencial da humanidade. Uma questão que surge no diálogo intercultural, é como distinguir entre um valor essencial ou universal, e a cultura que o envolve. Provavelmente é impossível separar os valores da sua cultura. O importante é estar consciente de que esta distinção existe, embora só teoricamente, para poder estar mais sensível à multiplicidade das manifestações culturais de valores essenciais.
Quando o professor entra na sala de aula na Europa, por exemplo, há alunos que demonstram o seu respeito levantando-se da cadeira, mas em algumas culturas africanas a forma de o demonstrar é sentando-se.
O diálogo intercultural é um desafio bonito mas também difícil. A profundidade e a complexidade das manifestações culturais de cada povo, são, às vezes, difíceis de transmitir, de maneira que sejam compreensíveis para um quadro de referências de outra cultura. Um encontro com outra cultura, sem esclarecimentos ou diálogos, pode levar à confusão, preconceitos e rejeição. Por isso, é preciso oferecer mecanismos para dar resposta às perguntas que surgem, para poder iniciar desta forma um diálogo intercultural.
O desafio para os países do Sul é de manter um diálogo aberto com o Ocidente, mas sem perder as suas características e identidades culturais. O desafio para a Europa é de ceder mais espaço ao diálogo intercultural nos seus laços económicos e políticos com o Sul.
[sem referência]
Qual a importância da aprendizagem da interculturalidade? Como a vivemos no dia-a-dia? Como entendo a minha relação enquanto português com outras culturas diferentes? Multiculturalidade/Interculturalidade, sinónimos?
Ao longo desta temática, falámos muitas vezes de cultura portuguesa. De que cultura estamos a falar? Poderemos falar de interculturalidade no interior das nossas fronteiras?